sábado, 19 de junho de 2010

O ego pode aflorar acima da legalidade??!!!


Sentença do Juiz de Direito que não queria ser chamado de "você"!

Você lembra do caso do Juiz de Direito que, profundamente ofendido por
ter sido chamado de "você" pelo porteiro do condomínio onde morava,
entrou com ação no Fórum de Niterói contra o condomínio (pedindo,
entre outras coisas, indenização, por danos morais, de cem salários
mínimos)? Pois bem, o caso foi finalmente julgado e segue, abaixo, a
sentença.


PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. COMARCA DE NITERÓI - NONA
VARA
CÍVEL. Processo n° 2005.002.003424- 4.

S E N T E N Ç A

Cuidam-se os autos de ação de obrigação de fazer manejada por ANTONIO
MARREIROS DA SILVA MELO NETO contra o CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO LUÍZA
VILLAGE e JEANETTE GRANATO, alegando o autor fatos precedentes
ocorridos no interior do prédio que o levaram a pedir que fosse
tratado formalmente de "senhor".

Disse o requerente que sofreu danos, e que esperava a procedência do
pedido inicial para dar a ele autor e suas visitas o tratamento de
"Doutor", "senhor", "Doutora", "senhora", sob pena de multa diária a
ser fixada judicialmente, bem como requereu a condenação dos réus em
dano moral não inferior a 100 salários mínimos.

(...)

DECIDO. "O problema do fundamento de um direito apresenta-se
diferentemente conforme se trate de buscar o fundamento de um direito
que se tem, ou de um direito que se gostaria de ter ." (Noberto
Bobbio, in "A Era dos Direitos", Editora Campus, pg.15).

Trata-se o autor da ação de Juiz digno, merecendo todo o respeito
deste sentenciante e de todas as demais pessoas da sociedade, não se
justificando tamanha publicidade que tomou este processo . Agiu o
requerente como jurisdicionado, na crença de seu direito. Plausível
sua conduta, na medida em que atribuiu ao Estado a solução do
conflito. Não deseja o ilustre Juiz, tola bajulice, nem esta ação pode
ter conotação de incompreensível futilidade.. O cerne do inconformismo
é de cunho eminentemente subjetivo, e ninguém, a não ser o próprio
autor, sente a mesma dor, e este sentenciante bem compreende o que
tanto incomoda o probo Requerente.

Está claro que não quer, nem nunca quis o autor, impor medo de
autoridade, ou que lhe dediquem cumprimento laudatório, posto que é
homem de notada grandeza e virtude . Entretanto, entendo que não lhe
assiste razão jurídica na pretensão deduzida.
"Doutor" não é forma de tratamento, e sim título acadêmico utilizado
apenas quando se apresenta tese a uma banca e esta a julga merecedora
de um doutoramento Emprega-se apenas às pessoas que tenham tal grau, e
mesmo assim no meio universitário . Constitui-se mera tradição
referir-se a outras pessoas como "doutor", sem o ser, e fora do meio
acadêmico. Daí a expressão doutor honoris causa - para a honra - que
se trata de título conferido por uma universidade, à guisa de
homenagem, a determinada pessoa, sem submetê-la a exame. Por outro
lado, vale lembrar que "professor" e "mestre", são títulos exclusivos
dos que se dedicam ao magistério, após concluído o curso de mestrado.

Embora a expressão "senhor" confira a desejada formalidade às
comunicações - não é pronome -, e possa até o autor aspirar
distanciamento em relação a qualquer pessoa, afastando intimidades,
não existe regra legal que imponha obrigação ao empregado do
condomínio a ele assim se referir.

O empregado que se refere ao autor por "você", pode estar sendo
cortês, posto que "você" não é pronome depreciativo. Isso é
formalidade, decorrente do estilo de fala, sem quebra de hierarquia ou
incidência de insubordinação. Fala-se segundo sua classe social.

O brasileiro tem tendência na variedade coloquial relaxada, em
especial a classe "semi-culta" , que sequer se importa com isso. Na
verdade "você" é variante - contração da alocução - do tratamento
respeitoso "Vossa Mercê". A professora de linguística Eliana Pitombo
Teixeira ensina que os textos literários que apresentam altas
freqüências do pronome "você", devem ser classificados como formais. Em
qualquer lugar desse país, é usual as pessoas serem chamadas de "seu" ou
"dona", e isso é tratamento formal.

Em recente pesquisa universitária, constatou-se que o simples uso do
nome da pessoa substitui o senhor/a senhora, e você, quando usados
como prenome, isso porque soa como pejorativo tratamento diferente.

Na edição promovida por Jorge Amado, "Crônica de Viver do Baiano
Seiscentista" , nos poemas de Gregório de Matos, destacou o escritor
que Miércio Táti anotara que "você" é tratamento cerimonioso. (Rio de
Janeiro/São Paulo, Record, 1999).

Urge ressaltar que tratamento cerimonioso é reservado a círculos
fechados da diplomacia, clero, governo, judiciário e meio acadêmico,
como já se disse. A própria Presidência da República fez publicar
Manual de Redação instituindo o protocolo interno entre os demais
Poderes.Mas na relação social não há ritual litúrgico a ser obedecido. Por
isso que se diz que a alternância de "você" e "senhor" traduz-se numa
questão sociolingüística, de difícil equação num país como o Brasil,
de várias influências regionais.

Ao Judiciário não compete decidir sobre a relação de educação,
etiqueta, cortesia ou coisas do gênero, a ser estabelecida entre o
empregado do condomínio e o condômino, posto que isso é tema interna
corpore daquela própria comunidade .

Isto posto, por estar convicto de que inexiste direito a ser
agasalhado, mesmo que lamentando o incômodo pessoal experimentado pelo
ilustre autor, julgo improcedente o pedido inicial, condenando o
postulante no pagamento de custas e honorários de 10% sobre o valor da
causa.

P.R.I.

ALEXANDRE EDUARDO SCISINIO
Juiz de Direito
enviado pelo amigo Sgt Marcelino
eca

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